Cansaço

Corpo pendurado de costas flutuando em meio ao nada. Corpo que gira e bate contra a parede. Corpo, aquele flagelado que goteja sobre as cabeças abaixo. Cabeças que olham em frente, para os lados, para baixo, mas nunca para cima. Paralelo. Corpo paralelo ao meu próprio, divisão mal feita de mim. Cópia. Cópia. Cópia. Sim, você sabe da onde vem isso, mas não tenho o direito de mencionar.
O corpo que pende é minha mente já cansada. As pessoas que seguem nunca notam notas, nunca anotam cores, nunca sentem gotas. O cansaço é extremo e levou embora minhas forças para gritar. Eu queria pedir socorro, eu tento me balançar, mas a gravidade nunca volta. Apenas a dos problemas. Essa nunca se vai.
As pessoas continuam andando mesmo que eu esteja incapaz de fazer o mesmo. Eu observo, eu noto e anoto e sinto. Eu quero interferir. Cortar a corda invisível que prende meu eu criativo na caixa escura e então meu corpo voltaria a terra, meu caminhar seria suave e eu poderia levitar quando quisesse. Sonhar é bom, mas apenas quando se está dormindo. Sonhar de olhos abertos é exaustivo, doloroso. Criar enquanto a realidade está presente desanima, porque nada poderá dar certo. Nada vai dar certo.
Essa angustia matinal arruína meu estomago, desce feito café. Bate forte, sobe e volta. Eu quero a receita para ser menos pessimista. Estou cansada de ser o bolo que não dá certo, aquele feito de qualquer forma. Quero trabalhar duro pelo que acredito e ser realmente boa no que faço, quero que em algum momento as palavras estejam tão em sincronia comigo que eu já não precise mais de toda uma preparação psicológica para sentar e escrever um paragrafo qualquer. Elas virão até mim. Me pertencerão, assim como sou delas e talvez elas nem sequer saibam.
Os problemas diários costumam sugar toda minha energia, e é nisso que fico pendurada sobre todo o resto do mundo. Enquanto todos seguem para as resoluções, eu sempre estou estagnada. Esse pé enterrado na lama faz eu me cansar da minha própria presença e aí vem a inveja. Eu me canso também das outras presenças, e então vem o ódio. O que não entendo é ver esses sentimentos ruins tomando conta de mim e nem mesmo esse peso todo é suficiente pra me fazer cair. Eu preciso dos pés no chão. Eu preciso de estabilidade.
Quero tocar a terra e sentir meu corpo envolto a poeira. Sentir a areia em meus pés. Tocar as folhas e troncos e sentir que faço parte de tudo isso. Que com o passar dos anos, meu corpo também criou sua casca e que hoje estou pronta para dar bons frutos. Semear, colher, fitar. Fitar um horizonte todo aberto a minha frente e entender que posso andar para onde eu quiser, sabendo que o amanhã me pertence. Por enquanto tenho o hoje, e o hoje não me basta.
Todos dizem que eu deveria aproveitar o presente, fazer o melhor com o que eu tenho nas mãos agora. Não há nada, porque tudo que pego me escapa. Eu preciso do pertencimento. Eu preciso da garantia de que o meu nada de hoje será alguma coisa amanhã, e depois… E depois.
Pra quem nunca teve nada, o medo da inércia é constante. As vontades são gritantes e a gente quer se agarrar nos braços da felicidade e não soltar mais. Às vezes a felicidade não gosta da gente, às vezes a vida não está ao nosso favor. O bom é que nada disso importa, já me acostumei com a falta de sorte e amor. Continuo seguindo insistente, esperando que alguém mais forte que eu consiga me puxar. Esperando que esse meu jeito sofrido de sempre acabe cativando, ligando a gravidade novamente, para que eu não precise voltar a vagar.

14 comentários

  1. Adoro esse tipo de abertura emocional minuciosamente costurado por palavras. Torrentes de reflexões que se conectam e desconectam com nossa consciência.

    Mas, para que isso causa empatia, é necessário ter certa afinidade com as palavras e você tem. Esse alguém mais forte que você espera é a tua versão escritora.

    Beijos

    O Mundo Em Cenas

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    1. Esse foi o comentário mais lindo que já recebi até hoje. Sério, eu estou relendo e tentando cravar as suas palavras em mim para que eu não me esqueça. Desejo que você esteja certo! Obrigada, mesmo.
      Um forte abraço.

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