Sabotagem

Era outra manhã mórbida e eu me espreguicei desejando estar morta. Não por depressão, mas acredito que desejar essas coisas quando se acorda seja normal. Por questão de manter os hábitos, permaneci na cama durante um tempo, respirando levemente e considerando se eu estaria fazendo um bom negócio se resolvesse me levantar. Eu deveria escrever, mas um dia na cama me parecia agradável, ainda mais depois de uma semana tão exaustiva, mentalmente falando.
“Ficar na cama fazendo o que?” me perguntei. Eu poderia ler. Eu tinha realmente uma quantidade enorme de livros empilhados e toda vez em que eu tentava iniciar algum, não me batia o sentimento necessário para continuar a leitura. Meu interesse andava escasso. Não por eu estar com preguiça, mas acredito que seja normal não ter vontade de ler às vezes. Existe por aí, uma espécie que nunca gosta de ler. Não estou tão mal assim.
Peguei um livro e alguns minutos depois eu estava em meio a uma conversa frenética sobre produtos capilares com uma amiga, pelo celular. Desisti. Pensei que talvez fosse melhor eu cuidar da aparência do que tentar ler um livro sem estar com a menor vontade. Me sentei na cama, de frente para o espelho, decidindo por onde eu deveria começar. Tudo parecia tão errado naquele reflexo, que talvez eu levasse a vida inteira para arrumar. Deixei meu corpo cair para trás, e coloquei os braços sobre o rosto, me escondendo do mundo e de mim. Não que eu me sinta inferior, mas acredito que seja normal não se sentir atraente pela manhã.
“Talvez eu deva ficar por aqui mesmo. Posso escrever, irei escrever e não precisarei me preocupar se meu cabelo está bom, ou se ainda estou usando pijamas.” Eu estava esticando as pernas para fora da cama, quando lembrei que eu ainda não havia checado meu Facebook e nem o Instagram, como faço religiosamente todos os dias quando acordo e antes de dormir. Quando me dei conta, eu já estava achando a vida o fim, e me achando a pessoa mais feia do universo. Finalizada a missão das redes sociais, percebi que eu já podia me levantar.
O relógio marcava 14:30, e então –finalmente – criei coragem para dar sequência no que chamamos de rotina. Enquanto eu saboreava meu chá com limão, percebi que eu estava com muita saudade de escrever. Ali, sentada encarando minha xícara, eu me sentia um baú velho, cheio de palavras guardadas e empoeiradas, que gostariam de sair para tomar um ar. Para virar ar. Para viajar e tocar o cabelo das pessoas, e arrancar sorrisos bobos. Esse sentimento sempre existia, mas precisava enfrentar todos os outros que vinham vencendo a batalha durante o dia. Não só esse dia, mas muitos outros. Coloquei minha xícara na pia, e estava indo em direção ao notebook, quando um amigo me liga. O mesmo amigo de sempre, e não custava jogar um pouco de conversa fora, não é mesmo? Papo vai e papo vem, digo a ele que quero escrever.

– Escreva.
– Eu não consigo.
– Porque não?
– Eu não sei. É como se houvesse uma força maior me segurando.
– Ao menos tente. Vá lá e escreva agora.
– Tudo bem. Até depois.

Então resolvi lavar a louça. Depois da louça, organizar as roupas. Depois das roupas, dar um jeito no meu rosto. Depois da estética, ouvir música para acalmar. Depois de acalmar, comer para agitar.
Quando eu percebi o que havia feito, era um pouco de tudo e muito de nada. Me joguei na cama novamente, tentando entender porque eu passava tanto tempo fugindo do que eu deveria me entregar. Eu nunca entendia. Eu queria chorar. E chorei, por um curto intervalo de tempo. Não que eu estivesse triste, eu só queria compreender um pouco mais essa pessoa confusa que sou.
Fiquei deitada por um tempo, resmungando em silêncio. Minha mãe entrou no quarto e me disse todas as coisas que eu ainda tinha pra fazer. Respondi, ironicamente, que não poderia fazer nada, porque iria escrever. Ela fechou a porta dizendo que então tudo bem, que eu fosse escrever.
Não escrevi nada. Fiquei encarando o teto. E encarei por um longo tempo, mudando de posição na cama algumas vezes, vencida pelo tédio e cansaço. Até que veio aquela pontada no coração. Aquela batida na porta da minha casinha, em um ritmo nostálgico, de quando eu me sentia feliz. As rosas no vaso que ficava em cima da geladeira estavam murchas, mas ainda enfeitavam bem o lugar. Eu não estava de acordo com a cena. Eu estava fugindo do meu roteiro. Eu estava simplesmente me sabotando por completo enquanto o texto me dizia para viver com entusiasmo e ser feliz. Aí você me pergunta: “Que texto?”
Pois é, nem comecei a escrever ele ainda.

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